23 de dez. de 2014

Carta ao Ano de 2014

Nem Tão Querido 2014, você pode não ter sido o melhor ano, mas você foi marcante. Infelizmente, marcas nem sempre são positivas. Escrevo essa carta babaca jurando que não tinha a intenção de rimar tantas coisas. Considerando que esse ano já começou com um péssimo corte de cabelo, eu devia ter imaginado. 

2014, você me deixou na esquina da rua, com as mãos na cara, esperando a chuva que nunca chega. Blefou, riu de mim, se entregou, se dissipou. Me ameaçou. Você escorregou como se fosse feito de gelo, mas a gente sabe que você foi um ano terroso. A areia, seca, incômoda, que coça e se espalha nos sapatos.

Se tivesse como, eu correria até não aguentar mais. 2014, você foi doloroso, você não teve escrúpulos. Você esfregou poeira na minha cara e traçou limites. Recortou estrelas da minha constelação (dramático, eu sei). Me fez olhar pro meu mundo lá do outro lado. Me deixou sozinha, gelada, magra, quieta no canto da introversão. Você tirou tanto de mim e, em troca, pôs um celular na minha mão.
Você me acordou no meio da noite e me fez chorar dormindo. É todo um outro nível de calafrios. Me fez gritar acordada, gritar calada, me fez engolir o ar que eu respiro sem hesitar. O que você quis? Pera, eu não quero te fazer nenhuma pergunta, Ano Irritante.

Eu perguntei coisa demais esse ano.

2014, você foi rápido e lento. Você riu de mim pra se provar. É uma pena que isso não tenha me ensinado tanto sobre decisões. Você pode ter machucado meu coração, 2014, mas eu ainda sigo meus instintos. Você fez farelo das minhas emoções, que pairam em cima da minha cabeça como uma nuvem inflada e escrota que quer chover. Ano, você lançou raios e barulhos de trovão pra simular a tempestade que nunca veio. Mas acho que foi conveniente me assistir desesperada esperando, prezado Ano de Número Par.

Nem Tão Querido 2014, eu tenho que te agradecer. Pela barriga roncando, pelas lágrimas frias, pela cama vazia. Se 2014 fosse um mercado, ele estaria lucrando muito em cima da minha língua. Obrigada por ter me mostrado que eu sou mais forte do que eu pensava.

Então eu puxei. Como se fosse um aspirador de pó, puxei toda a força. Eu puxei uma corda áspera que machuca a minha mão. Fiz um esforço tão grande, que até perdi o fôlego. Fui sem fôlego. Continuei, mesmo que sem ar. Fui sem respirar. Fui sem nada nos bolsos. Algumas fotos foram retiradas do meu mural. Algumas cartas foram escondidas em uma caixinha. Algum amor foi. Só foi. Não se foi, não quero dizer que foi embora. Foi. Uma constatação: existiu. Pretérito imposto por circunstâncias.

Eu perdi um amor. Amor que vivia na realidade e tinha termômetro de intensidade.  Mas eu sei algumas coisas: um mês não é uma eternidade. Amor requer intimidade. Intimidade requer que a gente conheça o que é estranho, o que é ruim, as bizarrices. Não tô falando das bizarrices fofinhas. Tô falando das coisas mais sombrias. Das escrotices. Intimidade é saber o que significam os espaços entre as falas. Olho no olho. Fragilidade. Troca de energia e troca de vida. A vida é uma filha da puta, ela é um combo. Pra viver, a gente tem que acolher imperfeições; a vida tá nos erros também.

Um teclado só é tão expressivo quanto um teclado pode ser. Por trás de telas, existe um esconderijo facilitador que oferece conforto. É um simulador. Paixão é fácil, é agradável. Distorce as cores e as imagens do retrovisor. É bom, é simples, é eufórico. Paixão não é amor. Paixão se queima e vira cinzas a partir das mesmas chamas que um dia foram combustíveis.

2014, você se parece com aqueles pais religiosos que curtem uma lição de moral no fim do dia. Você não foi gentil e, mesmo quando já tinha me prometido que pararia, me machucou até os últimos dias do seu calendário. Como se as três amigdalites com as quais você tinha me presenteado não fossem suficientes. Os olhos que eu conhecia tanto passaram a olhar através de mim. Nunca tinha visto esses olhos assim, eles me olhavam com carinho antes. Agora eles me lembram uma estrada, uma estrada distante.

Aninho (acho que já posso te chamar de aninho agora), você foi o sanduíche de atum no banco do shopping. Você foi um estudo minutos antes da prova, você foi camadas e mais camadas de rímel nos cílios inferiores. Cuspiu no vento. Você veio com trancinhas. Você veio de ônibus. Você escolheu Cinema. 

Um abraço frouxo. Uma despedida. Um silêncio caótico. Esses doze meses foram tão estranhos, que até me esqueci de comer leite condensado. Esse é um problema real.

Vivi coisas positivas também. Saí, aproveitei minha própria companhia. Sem você, 2014, eu não saberia de muita coisa. Não saberia que ir ao cinema sozinha é ótimo, por exemplo. Caro Ano Infeliz, nem tudo que veio com o vento escapou por completo. A sensação de estar intocada tentou se compensar com Frutilly. No final, você se mostrou um ano estranho; parece que abriu brechas pra que eu respirasse rapidinho antes da próxima bomba.

Tive coragem, pelo menos. Acho que isso eu posso dizer. Tomei algumas iniciativas. Tentei mudar o que me incomodava. Até cogitei parar de culpar datas e anos. É chato culpar convenções de tempo por coisas tão imensuráveis quanto sentimentos. Mas não rola. 2014, você vai ser culpado, sim. Você é uma desculpa. Ô ano, hein!

A gente vive assim, a gente vive procurando erros e acertos e pontuando culpa e densidade. Podemos dizer que filmes tem começo, meio e fim. (Alguns nem tanto, mas Inception é propriedade do seu colega, o 2010, então não vou entrar nisso.) São certezas, é bem óbvio. Mas a gente assiste mesmo assim, pra sentir alguma coisa. Pra rir, pra chorar, pra se agoniar. E isso por si só já é válido. A gente sabe que a vida acaba em algum momento, mas não deixa de viver por causa disso. No fim, guardo memórias e as guardo com consideração e amor. No fim, preciso agradecer. E me despedir desse período, dessa fase, desse vendaval.

No fundo, tô aprendendo a me abraçar. Eu me seguro com os dois braços e dou um laço em volta do meu próprio corpo. É confortante. É um barulhinho de chuva que vem de um aplicativo, um edredom novo, um computador desligado. É o ar da minha rua. É um copo de Coca Cola na cabeceira. Sozinha, eu vou me achando. Sozinha, vou me dando o que eu preciso me dar. 

Das porradas, uma certeza resta: tudo nessa vida muda.

Beijos. Vai em paz. Ano de merda.

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